quarta-feira, 14 de março de 2012

Ode ao Dous de Julho

Era dous de julho. A pugna imensa
Travara-se nos cerros da Bahia...
O anjo da morte pálido cosia
Uma vasta mortalha em Pirajá.
"Neste lençol tão largo, tão extenso,
"Como um pedaço roto do infinito...
O mundo perguntava erguendo um grito:
"qual dos gigantes morto rolará?!..."

Debrudos do céu... a noite e os astros
Seguiam da peleja o incerto fado...
Era a tocha - o fuzil avermelhado!
Era o Circo de Roma - o vasto chão!
Por palmas - o troar da artilharia!
Por feras - os canhões negros rugiam!
Por atletas - dous povos se batiam!
Enorme anfiteatro - era a amplidão!

Não! Não eram dous povos, que abalavam
Naquele instante o solo ensanguentado...
Era o porvir - em frente ao passado,
A Liberdade - em frente à Escravidão,
Era a luta das águias - e do abutre,
A revolta do pulso - contra os ferros,
O pugilato da razão - com os erros,
O duelo da treva - e do clarão!...

No entanto a luta recrescia indômita...
As bandeiras- como águias eriçadas -
Se abismavam com as asas desdobradas
Na selva escura da fumaça atroz...
Tonto do espanto, cego de metralha,
O arcanjo do triunfo vacilava...
E a glória desgrenhada acalentava
O cadáver sangrento dos heróis!...

....................................................................
....................................................................

Mas quando a branca estrela matutina
Surgiu do espaço... e as brisas forasteiras
No verde leque das gentis palmeiras
Foram cantar os hinos do arrebol,
Lá do campo deserto da batalha
Uma voz se elevou clara e divina:
Eras tu - Liberdade peregrina!
Esposa do porvir - noiva do sol!...

Eras tu, com os dedos ensopados
No sangue dos avós mortos na guerra,
Livre sagravas a Colúmbia terra,
Sagravas livre a nova geração!
Tu que erguias, subida na pirâmide,
Formada pelos mortos de Cabrito,
Um pedaço de gládio - no infinito...
Um trapo de bandeira - n'amplidão...

Castro Alves
S. Paulo julho de 1868

***

Lembrete ao 14 de março

Lembrai-vos;
O poema abrirá sua cabeça nem que seja com um machado.

Mais um ano e o poema
anda ralo como caldo de bila
e assina cheques em branco
a cada nova eleição.

Sempre a mesma ladainha
e o poema convencido
que é Sísifo, rola sempre
ladeira abaixo,
e quem dá a mão,
o empurra novamente
dado o término das eleições.

O poema vive num recanto bucólico
da cidade, onde o ar é arejado
e as garrafas servem de bóias
num rio poluído com árvores frondosas,
podadas sem esmero e sem preparo
por homens que servem a tirania
das hidrelétricas e ainda maltratam os gatos.

O poema não foi instruido, ele, nem desenha o nome.
Não pode ir ao hospital muito menos
pensar em Estética... o poema come pão de ontem.

Dorme junto aos ratos - os memos que singraram o atlântico
é mordido por cobras e televisores e ainda se emaranha pela cidade,
na busca interminável por víveres,
que na cabeça do bom-burguês, recicla; e assim, respira mais aliviado quando
arremessa pela janela do automóvel uma latinha de coca-cola...

O poema não dorme e, pensar fica difícil
quando o partido de esquerda e da direita
batem punheta no mesmo pau estatal.

O poema não pede esmola, visto que não é lido.
E ele não é visto, nem lido será lembrado.

O poema tem a pela queimada pelo sol,
anda calado e sozinho, tem ombros
caídos e anda como quem rasteja...

O poema sozinho nada pode.
Não serve para nada - é como o poeta!

A relevância do poema é sua revolta.

Quando o delicado cinzél for enterrado,
e a cruz que marca em x a prudência
desnecessária, arrancado será o medo
do mais recôdito neurônio
e junto aos poemas que erguem casas
sangram por vida em meio ao lixo,
o sangue começará
a espirrar da garganta de quem precisa
perder a cabeça...

Lembrai-vos;
O poema abrirá sua cabeça nem que seja com um machado.

O tempo passará e o punho fechado acenará
com todo o corpo dentro de uma composição
menos harmoniosa dentro do padrão de beleza
europeu-branco-cristão-capitalista.

Hoje não é dia de graça, alegria, ou "poesia".
Poesia concreta é uma tijolada na cabeça do Governador;
uma tijolada na cabeça da Prefeita e da Presidenta
- e venham censurar meu poema!!!
"Cuspo-vos na cara !"
;
Lembrai-vos;
O poema abrirá sua cabeça nem que seja com um machado.

Rafael Carvalho

XIV III MMXII

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