segunda-feira, 23 de março de 2009

Carta suicidada

Carta suicidada

Estas são minhas últimas palavras, nelas talvez você não encontre explicação para esta minha morte. Talvez não haja explicação. Talvez a dúvida seja a única certeza.Desde já, esclareço que não me suicidei. Fui suicidada. Na verdade já nasci póstuma.

Cresci morri e re-morri numa rotina exaustiva, cheia de mau-quereres e cores cinzas. Dias e noites assistindo minha própria vida indo para o esgoto, um lugar onde as pessoas eram julgadas pelas suas nobres vestes e são ainda, onde pessoas eram o valor em seu contra-cheque e são ainda, lugar onde a vida não fazia sentido e ainda é assim.

Na verdade o único sentido que se tem notícia é o sentido gritado pelas forças armadas que defendem uma ‘pátria’ que não é sua, não é minha e não é nossa. Defendem fronteiras invisíveis que só servem para justificar a irresponsabilidade e o egoísmo de classes dominantes e a omissão. Pessoas que seguem mentiras e pagam suas contas religiosamente e com um nulo retorno.

Hoje dia 25 de agosto eu morro mais uma vez.Parte de você também morre, somos vítimas de algozes que nós mesmos escolhemos a cada eleição. Ontem morri de fome na África, e morro agora no Líbano vitimada por uma bomba Israelense, ontem minha perna foi arrancada por uma mina na Palestina financiada pela coca-cola e pelo Mc Donald´s. Sou “Ana de Amsterdã”, vítima do turismo sexual, e sou aquela que apanha do marido e calada fica. Todos os dias eu sou suicidada. Sou a pequena criança que não estuda e limpo pára-brisas em sinais de suas cidades. Sou o desempregado que não tem experiência. Mas sou a desempregada que matou o marido em legítima defesa.

Sou vítima de todos os preconceitos. Sou você. Morri uma vez na fila do SUS e outra vez no trânsito, em um acontecimento que ousaram chamar de ‘acidente’... Morri também uma vez por overdose. Morri numa carvoaria quando tinha dez anos. Logo eu que pagava todas as minhas contas em dia, logo eu que rezava todas as noites antes de dormir. Onde esteve minha fé? Por quais motivos não a transformei em ações?Por quais motivos me deixaram morrer de fome e frio quando tinha sete anos?Por quais motivos fechamos os olhos ao vermos crianças nas ruas? Não é problema nosso? Você também morre.Você também é vítima, também tem culpa quando abraça a omissão! Calar-se não resolve em nada nossa caótica situação.

Nossas vidas são manipuladas e nem nos damos conta! O que estamos fazendo?Pagamos uma das mais caras passagens do país e nada fazemos. Impostos, filas, contas, celulares que fazem pipocas e emitem raios desintegradores, carros novos, roupas caras e chiques, perfumes franceses para disfarçar a eminente podridão social... Consumismo, neoliberalismo, ismos e ismos...

O que fazer? “Sentar no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar”? Que porra de vida levamos? Por quais motivos não desligamos a TV? Ainda respiramos? Ainda vivemos? Até quando morreremos diariamente?

Ninguém vai “salvar a pátria”. Ainda nos resta saída? Talvez não, mas cruzar os braços não é a saída.A escolha é nossa, só nossa.O que queremos? Morrer todos os dias?Sobreviver?Ou viver?... Eu ontem morri, hoje também, mas amanhã eu escolherei a vida!

Não se conquista a liberdade de joelhos e não existe vida no capitalismo. Nem mesmo em uma tal sociedade onde seja instaurada uma tal “ditadura do proletariado”.

Sejamos livres!

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