quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Duas canetas mortas

Acorde de um sonho e veja suas gengivas derretendo.
ouça o som que a lua faz quando se choca com a terra,
ou ainda o último suspiro de uma caneta sem tinta.

Para quem escreve a caneta é seu objeto de transtorno
retorno e desejo e busca e caminho e encontro.
Para quem desenha sua caneta de refil recarregável
é parte do corpo que,
ao toque da caneta ao papel, de seu bico e sua tinta,
tem sua extensão corpórea garantida
como um deslize, um respiro e um alívio.

a música cessa, pois, a corda arrebenta.
a regência para se a batuta quebra... 
Perder o tempo é coisa boba, 1, 2, 3,
vai de novo
e o tom menor se adianta agalopado,
troteando em perdas colossais.

o que se perde em meio ao processo
de composição,
quando a corda quebra não é o dinheiro
para comprar uma reserva...
o que se perde não é o tempo da afinação do restante das outras.
o que se escorrega enquanto fracasso
ou proto-fracasso é a sequencialidade das ideias que se espatifam ao chão
arremessados do alto da escala tonal.
é como quebrar uma tecla no meio de um allegro vivace!
É de uma tamanha tristeza.
é como um fagote engasgado, ou ainda um oboé em chamas...

derrete o som como a tinta seca
sibilante, uivando, se urdindo ao avesso,
se desfazendo como a composição que abortada pede socorro
ao relógio que marca tempo,
mas o temperamento deste metrônomo
não vai ao encontro do seu.

não desenhar é como um músico ter sua partitura rasgada.
o palco arrancado dos pés de um ator, contudo, este tem a rua e pode
executar o seu texto, a polícia tira-lhe o texto,
eis que ele improvisa, mas, mastiga e engole a própria voz
e tomba e quebra o pescoço.

é como perder uma caneta.
A caneta em si é próprio motivo para o poeta,
nem é o poetar em si,
é o fato da caneta tornar possível o delatar
das palavras desencadeadas uma após a outra,
ora,
o que tu esperas de uma caneta?!
Uma assinatura num cheque?!
Não me importa o que achas, o que me interessa é que perdi duas canetas.
e estou me lamentando como um clarinete
desafinado desafiando os ouvidos
mais calados.
escorrega devagar e adiante.

essas canetas não são para as escrituras
toscas que me encarregaram desde o nascedouro
as vinhas do tempo e suas iras com veios
amadeirados que sustentam o mundo
por cima da ampulheta que filtra dois universos.

essas canetas se perderam por um deslize meu.
por uma idiotice por uma falta de atenção.
...
fui interrompido nesta hora; batem à porta do quarto onde vejo minas canetas.
...
e tão somente por isso não me desculpo.
foi um erro de um tom inadmissível.

Pois na verdade o que se sepulta é uma série de trabalhos
que viriam a ser pelo bico dessas duas canetas. Infinitos.
o que cometi – este canetinocídio –, é impensável!
Tantas tintas ainda guardariam e quantos mais papeis...
quantas ideias, quantas ideias...

o que mais me entristece é que tinha mais Amor
naquelas canetas que qualquer outra que possa existir.

Se por acaso ou descaso essa canetas
quisessem meu sangue como vinho não poderia nada fazer.
perdi o controle, perdi o controle...
como enfrentar uma fila de 450 pessoas
e voltar ao final só por diversão.
espero assim talvez satisfazer os anseio destas canetas
que tanto já trucidaram o tédio
e como um idiota eu as matei.
como se não bastasse ser feio,
tivesse agora dar uma de burro.

É como ouvir Dylan apenas
com um fone
de ouvido – não fode cara!

O garotinho está seriamente perdido e é
atropelado miseravelmente pelo perigo que o acompanha
em suas sombras e tem um copo cheio de café e medo...
Suas solas falam de umas canetas mortas
ele não entende e pede explicação
e tem visões assombradas
durante a noite e dorme
dentro de um bueiro infinito
sua salvação é igual ao das canetas
vê primitivas inscrições nas pernas da rua
e fica de joelhos entregue à noite.

o infeliz dorme e durante o sono
lunaticamente se assusta ao espelho,
pois suas gengivas estão derretendo
e pela janela a lua se aproxima
e seus dentes escorregam vagarosamente
sente seus pés descolarem do chão
e um por um seus dentes são lançados ao espaço
que o vazio ocupa entre saliva e espelho
que agora o sangue se empapa em motes doloridos.
ao chão, levita vagarosamente a tinta nanquim
das duas canetas que se entreolham com sorrisos
e vingança. Dão seus últimos suspiros.
Finalmente a lua choqua-se com o planeta.
Por fim, nanquim.   

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